A “Inserção das Ciências Policiais no Ensino Superior em Moçambique”; constitui lema do Seminário Alusivo às Celebrações dos 60 anos do Ensino Superior em Moçambique e Angola, organizado pela Academia de Ciências Policiais (ACIPOL).
O evento enquadra-se no amplo movimento de celebração dos 60 anos do ensino superior onde os Estudos Gerais Universitários de Moçambique e de Angola (EGUM/EGUA) foram estabelecidos nos primórdios da década de 1960, num contexto em que tanto Moçambique, quanto Angola, eram colónias portuguesas.
Durante o evento, realizado hoje, no Campus da ACIPOL, sito na Avenida de Moçambique, Km 16, Michafutene, Província de Maputo, foram apresentados temas como “A Génese e o enquadramento das Ciências Policiais no Ensino Superior em Moçambique”, que teve como orador o Comissário da polícia da República de Moçambique PRM na Reserva e Antigo Ministro do Interior, Alberto Ricardo Mondlane; “O Papel dos formandos em Ciências Policiais no Desenvolvimento do Ensino Superior em Moçambique”, apresentado por Fernando Tsucana, Comissário da Polícia e Vice Comandante Geral da PRM; e “Direito Policial Como Ramo do Direito Público”, que teve como orador o Inspector-Geral da PRM na Reserva e Antigo Comandante — Geral da Polícia, Pascoal Pedro Ronda.
No âmbito das Comemorações dos 60 Anos do Ensino Superior, Moçambique, e Angola, vem desenvolvendo um grande movimento marcado por inúmeras actividades de cunho académico-científico, sendo que Moçambique acolhe de 29 de Junho à 1 de Julho do ano em curso, a Conferência Internacional sobre o Ensino Superior em Moçambique e Angola, evento que se celebra Sob o lema “Consolidar um Ensino Superior de qualidade”.
Na sua locução, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, saudou o Presidente da República de Moçambique e Comandante-Chefe das Forças de Defesa e Segurança, Filipe Jacinto Nyusi, pela liderança actuante que exerce na condução dos destinos do País rumo ao pleno desenvolvimento do país e, de forma particular para o crescente desenvolvimento do subsistema do ensino superior, mormente no ensino, na pesquisa científica e na extensão universitária.
Segundo o Ministro Nivagara, as transformações que o mundo foi sofrendo, principalmente depois da II Guerra Mundial, levaram à que a área da Segurança Pública se fosse adaptando aos novos eventos. Enquanto se desenvolvia a Ciência Criminógena, em paralelo se desenvolvia a outra ciência que é a policial. Nas últimas décadas do Século XX e princípios do Século XXI, surgiram grandes debates dentro e fora da área policial em torno da Segurança Pública, o que tornou a Ciência Policial num novo campo de discussão para a solução científica de vários problemas.
Assim, a Ciência Policial tornou-se um campo nos saberes humanos, em função da própria evolução da polícia moderna e da sua profissionalização, com ampla e internacional doutrina técnica, legal e filosófica, doutrina essa que busca referendar-se nas variadas ciências, fortalecendo-se no aspecto multi e interdisciplinar e, retro-alimentando a própria Ciência Policial.
Para o titular a pasta de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, a ideia de criar uma ciência nova, com um objecto de estudo transversal e interdisciplinar, deve assentar-se no pensamento da teoria da imprevisibilidade e da incerteza da sociedade mutável e da necessidade da actividade policial enraizar-se em uma lógica de afirmação do ser humano como pessoa igual em dignidade.
Recorde que em Fevereiro do ano em curso, o MCTES, em parceria com a instituição ministerial congénere da República de Angola, procederam ao lançamento oficial das celebrações dos 60 anos do ensino superior em Moçambique e Angola, no contexto do qual os actores do ensino superior em ambos os países foram exortamos a desencadearem um amplo, profundo, transversal e, inclusivo movimento reflexivo intelectual e académico a respeito do percurso histórico, dos desafios, das oportunidades e das perspectivas de transformação deste subsistema de ensino, visando a sua crescente consolidação, qualidade e relevância social.
Enquadramento entre a Ciência Policial e Ensino Superior
Num outro desenvolvimento, o ministro apontou que a consultar Eliomar da Silva Pereira (2019) no seu livro introdução às Ciências Policiais: a Polícia entre a Ciência e Política, pode se encontrar algumas afirmações que levaram à afirmação de que existe de facto um enquadramento entre a Ciência Policial e Ensino Superior. O autor afirma que “a Polícia se encontra, frequentemente, entre Ciência e a Política, podendo manter-se equidistante de ambas em sua actividade quotidiana, mas uma ciência policial não se compreende à revelia de uma política criminal” (fim de citação). E nós sublinhamos esta parte de POLÍTICA CRIMINAL.
Pereira continua afirmando que, “no confronto entre a concepção da definição de ciência policial, a discussão centra-se em um dos pressupostos tradicionais de que um deles é o objecto, então este autor aclara que, a objectividade da ciência não reside em uma suposta objectividade do objecto, mas na objectividade do método que nos permite discutir em que sentido uma ciência está bem assente. Isto não significa que devemos abdicar de valores não-epistémicos e, postular um afastamento completo dos valores” (fim de citação).
Desta feita, Pereira entende que o conhecimento teórico-policial é necessariamente um conhecimento para a acção policial e, esta não se pode compreender fora de um quadro de princípios ético-políticos que se concretiza em princípios jurídicos, como garantias de direitos humanos e fundamentais, em um Direito Policial. São princípios que devem estar na base de orientação da Ciência Policial sob pena de o conhecimento teórico-policial desenvolver-se apenas voltado à dominação do homem pelo poder e não para a libertação[1]. É dentro desta reflexão que se pode afirmar que a Ciência policial se orienta por dois princípios fundamentais: redução do uso da força física para obter o resultado satisfatório, onde este se refere aos meios da polícia e, aumento do âmbito de protecção de direitos fundamentais do homem, referindo-se aos seus fins. Só assim podemos alcançar o aperfeiçoamento de uma ciência policial.
Assim, a Ciência Policial refere-se a outra ordem de questões, relativas a pesquisas em um âmbito onde a polícia aparece como sujeito de um conhecimento que lhe é peculiar, decorrente das suas actividades típicas e dos problemas que estão fora da discussão das ciências em geral. Ainda conforme a obra de Pereira (2019) que tenho referenciado, a complexidade social e humana exige o diálogo entre as várias ciências em torno de um problema identificado pelo sujeito cognoscente interessado, à quem compete congregar diversos conhecimentos necessários à sua solução. Outro senão, é que o facto do crime como um problema fundamental das Ciências Criminais, estar presente nas Ciências Policiais, não se pode dizer que ele esgota todos os problemas que interessam à polícia, sobretudo, porque a polícia tem atribuições administrativas e outras que extrapolam o problema criminal embora guardem sempre relação com este.
Igualmente, embora a aplicação da lei, como um dos problemas das Ciências Jurídicas, esteja presente nas Ciências Policiais, não se pode dizer que ele esgota os problemas que interessam à polícia, sobretudo considerando no âmbito de limites amplos da legislação, a exigir determinação de procedimentos não contidos integralmente na lei;
Na verdade, o que se pretende com as Ciências Policiais segundo Bittner citado por Pereira (2019), é uma mudança de concepção da polícia segundo o modelo do homem de armas para o modelo do profissional treinado, cujo treinamento apresente algum relacionamento com o conhecimento científico, o que naturalmente, envolve a mobilização e delineamento de programas científicos de estudo e instrução. Nesse sentido, admite-se que o desenvolvimento de tais programas requer decisões a respeito do que poderia ser estudado e do que deveria ser ensinado;
Em adição, segundo Azor Lopes, as Ciências Policiais estão dentro de um campo mais amplo que é a Segurança Pública e o seu campo de actuação é a investigação científica com enfoque na produção de conhecimento para os agentes que operam na área policial e não só;
Nesta conformidade, somos de parecer que as Ciências Policiais devem aproveitar e assumir o lugar de fala como produtor de conhecimento. Isto permitirá que deixe de ser objecto e seja sujeito, porque como objecto todos a pesquisam e ela é uma mera actividade e não como Ciência.
“Em outras palavras, encorajamos os fazedores das Ciências Policiais a produzirem, eles mesmos, o conhecimento, realizando a pesquisa e extensão, implicando muita publicação. É também fundamental que no âmbito das revisões curriculares que vão acontecendo em toda a academia moçambicana, a ACIPOL faça a sua parte, introduzindo novos cursos, novas cadeiras e formando quadros virados para a pesquisa nesta área. A Introdução de Uma cadeira ou Módulo de Introdução à Ciências Policiais, seria um aporte forte e demonstrativo desta cientificidade das Ciências Policiais”, salientou o ministro Nivagara.
Relativamente à Moçambique, a inclusão de Ciências Policiais como área de conhecimento no rol das ciências estudadas no País aconteceu com a homologação da proposta dos estatutos que criam a Academia de Ciências Policiais, por Decreto 24/99, de 18 de Maio.